domingo, 28 de setembro de 2008

Resumo por Nada e Menos um Pouco: Muchembled, Robert : Uma história do diabo


Com o Diabo no corpo

O autor fala da necessidade em estudar as concepções médicas do corpo para compreender a história do Diabo. Onde, no século XVI noções eruditas e populares misturavam-se. Então superstições “atingiam” até os mais célebres sábios, devido à crença fazer parte do olhar cientifico. Através dela pode-se pensar no imaginário coletivo sobre as concepções das partes baixas do corpo, onde a “Europa passa por uma luta de transição pensamento mágico generalizado a uma visão racional”. (p.92)

O corpo mágico

Trás a idéia de que o corpo era entendido como um envoltório de humores. O homem era considerado quente e seco e a mulher fria e úmida. A medicina, através dos remédios, tinha a incumbência de reequilibrar os humores internos. Dessa necessidade, surgiram receitas médicas dando instruções de alimentação e comportamento para cada mês do ano. Pode-se pensar hoje, que essas receitas foram populares, mas “formavam, no século XVI, a trama da medicina mais avançada” (p.54). O desenvolvimento das pesquisas anatômicas era barrado pela hostilidade da igreja, problemas técnicos, respeito ao saber antigo, orientação das patologias dos humores e ainda a grande influência do humanismo que trazia a tona o modelo teórico de Galeano.

O pensamento médico, para explicar as novas doenças descobertas (hoje chamadas infecciosas), recorre para as noções antigas de influencia astral, onde o corpo do homem, o microcosmo está ligado por estruturas onipresentes ao macrocosmo (o universo) e o contágio, que segundo o autor foi “o vetor principal de uma visão mágica do corpo, cuja parte sombria deu crédito as teses demonológicas” (p.95) desencadeando as perseguições às feiticeiras.

A tese em alta na segunda metade do século XVI, através do método italiano Girdamo Fracastoro, era a teoria do miasmo. As doenças vinham das fermentações locais de humores corporais, sob a influência de um fator externo. (p.96) As infecções assumem uma visão “mágica”. Onde o medo das infecções era projetado na figura do Satã.

Do corpo feminino

No segundo terço do século XVI, a representação e a exposição da mulher, tiveram uma série de restrições. Cada vez mais tinha que “cobrir cada centímetro de sua carne pecadora” (p.97). A natureza de mulher foi redefinindo-se, chegando a médicos considerarem ela como “um macho incompleto” (p.98). A mulher era o ser sombrio, mais perto do Diabo que o homem ser inspirado em Deus. Ela é o ser pecador, naturalmente inferior ao homem, de seu útero provinham doenças. Essa visão é fruto de concepções teológicas, médicas, do direito e juntamente com preconceitos populares. “Em termos históricos ela fundamentava a superioridade masculina e explicava sujeição exigida das mulheres no conjunto da sociedade” (p.99).

O autor apresenta a visão do médico Levinus Lemnius, representativa da medicina na Europa. Ele tinha uma “visão mágica herdada do passado medieval” (...) como era “apaixonado pelas idéias de Hipócrates e de Galeano” (p.99). Suas obras tiveram grande repercussão tendo várias edições, o autor vai destacando as várias concepções de Lemnius, onde fazia-se um contraponto entre o masculino e o feminino. Embora alguns autores não concordassem com algumas idéias de Lemnius, todos buscavam-se na superioridade masculina.

Monstros e maravilhas

O autor fala da distinção feita entre Demônio (ligado a Satã) e monstro (geralmente um sinal divino), no século XVI. O imaginário aumenta quando acontece a conquista da América, onde reforça-se a visão mágica do corpo os índios “tinham a cabeça embaixo ou um único olho, uma tromba no lugar da boca, etc..”

Deu-se margem para a noção de criaturas hibridas, onde mantinham características humanas e animais. Na Reforma, os monstros foram representados de forma a “desvalorizar o campo adversário” (p.106). A alusão de um monstro hibrido, relatado por Freiberg, associada a Lutero e seus vícios, fez com que ele panfletiasse na mesma forma: “o asno-papa de Roma e o monge-veado de Freiberg” (p107). Mesmo Ambroise Paré, que era um “notável conhecedor do corpo humano”, aceitava a existência dessas criaturas anormais, explicando-as através de três noções: “a vontade divina, a sexualidade pervertida e a imaginação delirante” (p.108). Os monstros eram bem diferenciados dos demônios, um fazia parte realidade, o outro era considerado como imaterial. Paré afirmava que monstros nascem muito devido a seus pais terem feito o “ato da cópula como animais brutos, guiados pelos seus apetites” (p.108). Seria uma forma de Deus julgar por se levar pelo prazer ao invés do dever de procriação. Mesmo ocorrendo algumas descobertas fisiológicas, médicos continuavam com a mesma visão. Desconfiava-se do coito com animais, onde “anunciava grandes catástrofes” (p.110).

O autor fala da concepção de geração espontânea, onde esta era difundida entre os doutos. A sexualidade das mulheres traz o medo, ela ao entregar-se a um animal, certo que nascerá um ser híbrido. Os homens não flavam sobre crianças monstruosas para as mulheres grávidas com o medo de influenciar a sua imaginação e acontecer um nascimento anormal. “ O vulcão de paixões femininas”(p.112) tinha de ser controlado na disciplina masculina e através desta “versão mítica de interditos sexuais estendito a todos, mas visando principalmente as mulheres”(112)

O inferno do sexo

O autor começa falando, na visão de Mikhail Bhaktin, sobre as “duas vidas” que o homem medieval possuía: “a vida oficial e a do carnaval; de dois aspectos de mundo, um piedoso e sério, outro cômico”(p.113) Exemplificado no fato de “ a piedosa Margarida de Navarra”, ser autora de contos eróticos. Não existia a noçã ode pudor como concebemos hoje, ocorreu gradativamente e ficando mais intenso no século XVI. Apesar de a igreja tentar difundir uma mensagem de que as partes baixas do corpo remeten-se ao inferno. A sociedade era complacente com os prazeres carnais e as manifestações fisiológicas. Isso começa a mudar em meados do século XVI, com a idéia de que o sexo masculino, o juízo final e o inferno tinham uma relação explícita. Ocorreu tanto na cultura popular quanto entre os nobres e citadinos de melhor condição econômica. Deu-se a moralização dos “infernos corporais” através das autoridades civis e religiosas, “tanto nos países protestantes quanto na terra da contra-reforma”.(p.115) Induzia-se ao pecado. Procurou-se, no estado moderno, consolidar a unidade familiar, controlar a sexualidade feminina através de “ leis sobre o casamento e sobre os desvios sexuais”(p.116) A relação entre os sexos foi o grande foco na Europa, buscava-se o controle do corpo, principalmente o da mulher. Aos poucos a noção de pecado e de má conduta assumiam novas formas, surgindo mensagens moralizantes pela Europa afim de tornar o homem menos bestial, limitando a conduta entre o certo e o errado. Como no caso de o homem ser um “saco de vícios, o corpo masculino podia ser facilmente invadido pelo demônio quando o indivíduo bebia em excesso”.(p.118) Apesar destas tentativas moralizantes, surgiu uma literatura escatológica visando uma resistência a essa seriedade e repressão. Afirmando que o corpo “ainda não era tão sagrado, tão divino quanto pretendiam os moralistas, mas ele avançava neste caminho”(p.118). Neste sentido, devia-se ter disciplina e aplicar o que Deus lhe destinou. As pressões existiam nos dois gêneros, mas de forma fundamentalmente diferentes: “ os homens eram vistos como seres cujos fluídos, ou violência, jorravam sem cessar para infectar o mundo, ao passo que as mulheres traziam a poluição sobre a cidade ao recebê-la em seu útero matriz sempre aberto”.(p.119) Esta diferença era reforçada na prática do exorcismo católico, e ampliado pela feitiçaria, onde os demônios preferiam alojar-se nos corpos femininos e o homem salvaria a sua alma.

O autor traz as concepções de um jurista anônimo, compilador de sentenças judiciais de 1640, onde ele traça um panorama, influenciado pela contra-reforma, dos crimes contra os costumes. Os tribunais eclesiásticos perderam lugar, nos países baixos e na França, para os tribunais civis. Neles, reprimia-se “mais duramente a menor transgressão deste código sexual baseado na sacralidade do casamento e no recalque dos instintos bestiais”(p.121) O jurista anônimo aponta então os graus de crimes e suas punições, tais como; o adultério, a poligamia, o estupro, incesto, infanticídio, a sodomia, a bestialidade. “ Em suma, é o excesso de paixões que leva o diabo ao corpe do homem e principalmente o da mulher”(p.125)

Para uma história dos sentidos: A promoção do olhar e a diabolização do olfato

“O olhar estava ligado a masculinidade, a Deus, à clareza, à razão”(p.129) Através do olhar podia-se causar doenças, as mulheres podiam enfraquecer o homem e para Guillaune Bouchet, “o amor tem sua fonte no olhar”. Seguidores de Platão, acreditavam que o olhar que iluminava os objetos e, já para Aristóteles a recepção dos raios luminosos que vinham de fora explicavam a visão. “ Enquanto os mecanismos de promoção da visão adquiriam espaço, o olfato experimentava uma descida ao inferno.”(p.129)

A representação da morte passou a mudar na Europa a partir do século XVI, e a figura da mulher e o olfato tinham ligação nesta mudança. “O médico Lemnius falava do mau cheiro natural da mulher em oposição ao odor aromático do corpo do homem”(p.130). Com a teoria do contágio em voga, a “perturbação das qualidades primeiras do ar” pelas pestes era inevitável, precisaria-se então tomar precauções contra as putrefações. “Uma relação cada vez mais forte se estabelecia entre os odores deletérios, excrementos, o pecado e o inferno”(p.131) Médicos usavam máscaras com o bico cheio de aromas protetores, viravam o rosto quando iam visitar um paciente doente, para não sentir o cheiro do outro e não cruzar o olhar com o paciente que assim poderia “transportar seu mal”. O fedor da peste era maléfico, era associado ao demônio, ele”manifestava-se por meios de exalações sulforosas; Satã reina sobre o olfato”(p.133) Tornou-se pecado uma pessoa cheirar muito mal, alem de ser sinônimo de doença, assim, perfumes ganharam grande destaque. Usavam de vários artifícios para preservar o “corpo poroso”como, embeber uma esponja de vinagre para cheirar enquanto caminha pelas ruas, bolas de gesso odoríferas, laranjas limões, etc. Mas, segundo moralistas e homens da igreja, “a barreira odorífera protetora podia, no entanto, transformar-se em armadilha demoníaca”(p.135) Os excessos femininos eram os mais visados, o médico Louis Guyon, reclamava de que as mulheres colocavam “perfume sobre a glande viril ou na vulva antes do coito para daí extrair maior volúpia”(p.136). Segundo ele e vários outros autores, dessa forma, como o corpo da mulher já é inclinado aos desejos carnais exagerar em odores abre assim “a porta dos infernos”. Essa diabolização das partes baixas do corpo, teve uma ligação com a caça as bruxas. Todos acreditavam nas obras do demônio , tanto em feiticeiras quanto em si próprio, através do pecado. Juízes em processos de feitiçaria mandavam examinar o corpo da mulher, principalmente os órgãos íntimos, “onde o demônio se aninha melhor”.

Estando em uma época de transição entre a magia e a ciência, reunia –se “as

magias esparsas do passado em uma visão unificada do universo, na qual o diabo agia sobre autorização divina e na qual todo o mortal deveria aprender a controlar suas paixões”




Nenhum comentário: